Sinopse
UM CÂNTICO ESPIRITUAL
A poesia como arte de fazer poemas, registro de uma visão do mundo, espelho de condição humana e uso supremo da linguagem pulsa neste O Filho Pródigo: Um Poema de Luz e Sombra, de Luís Augusto Cassas.
Arte da língua e da linguagem, ela, a poesia, é sempre o estuário de uma experiência pessoal e intransferível. Assim, todo poema decorre de uma circunstância, como estatui Goethe, o que significa a emergência e a presença de um timbre autobiográfico, num poeta, a biografia e a antibiografia estão sempre juntas, quer quando ele exprime claramente a sua vida pessoal, quer quando recorre as máscaras e escondimentos, tornando-se uma metáfora de si mesmo. Mas o que deve importar, realçando o acento íntimo ou projetando o empenho de impersonalização e despersonalização, é resultado: a experiência tornada linguagem poética e a realidade convertida em imaginação.
Neste pungente e desdobrado poema longo fé Luís Augusto Cassas, a experiência pessoal oferece ao leitor a sua alta pulsão e inequívoca tensão. É um cântico espiritual, uma interrogação ao divino. O poeta celebra a morte de seu pai, e o sentimento de perda justifica o seu canto, em cujos versos ressoam as notas de uma macha fúnebre, as palavras de um sombrio cantochão. A densa subjetividade que permeia o poema se transmuda na sua razão artística e estética. A transcrição de uma dor pessoal tornada emoção comove aquele que está do outro lado do rio: o leitor.
Esta poesia de Luís Augusto Cassas, coabitada pela sombra e pela luz, é ao mesmo tempo um regresso à casa paterna viva na memória e erodida pelo tempo e pela morte, e uma incursão em uma luminosa e perene morada que está no passado e no futuro – esta poesia, atravessada por um sopro cosmológico, ora ostenta a linguagem faustosa e misteriosa de um ato litúrgico, de uma prece sibilina, ora se retrai e contrai numa inteira nudez monacal. É a nudez do filho pródigo, que volta ao lar paterno despojado de tudo, mas enriquecido pela experiência da amargura e da decepção – e o seu regresso se abre no horizonte como a promessa de uma nova esperança, de uma redenção.
Caminho vivo entre mortos.
Caminho morto entre os vivos.
Mas onde fui ferido
Torne-me mais reluzido.
Uma ferida de luz! Uma operação mística: nesta quadra em redondilha menor vibra o itinerário espiritual do poeta, sustentado por uma litania de alto teor religioso, de contundente carga de confessionalidade e memorialidade.
Na poesia brasileira – especialmente no território tão poço visitado da poesia de natureza meditativa e reflexiva, voltada para a transcendência –, o maranhense Luís Augusto Cassas ocupa um lugar de inconfundível relevo. A sombra e a luz regem, simultâneas, a sua partida e o seu regresso: o seu estar no mundo e a busca já tornada resposta, com a descoberta e o encontro de si mesmo.